Cintia: Fortalecendo mulheres na área de tecnologia

Centro de Informática da UFPE
8 min readAug 28, 2019

--

O grupo de mulheres do CIn-UFPE comemora o seu primeiro ano de existência

Entre os anos de 2007 e 2017, a participação de mulheres em postos de trabalhos de setores de tecnologia da informação (TI) diminuiu de 24% para cerca de 20%, é o que mostra a pesquisa da Softex, com o apoio da Secretaria de Empreendedorismo do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC). Distante de faltarem profissionais capacitadas no mercado, as mulheres enfrentam dificuldades que surgem ainda no período de graduação ou antecedem a escolha do curso.

No Centro de Informática (CIn) da UFPE, entre os anos de 2017 e 2018, 12% dos alunos matriculados eram mulheres, ao mesmo tempo em que o percentual de evasão de mulheres também foi de 12%. No entanto, elas representam entre 15% e 22% dos alunos formados no mesmo período. Buscando, entre outras coisas, melhorar essas estatísticas, o Cintia — Grupo de Ciência e Tecnologia da Informação com Elas — foi criado no CIn-UFPE para funcionar como uma rede de apoio para as mulheres do Centro. Em agosto de 2019, o grupo comemora um ano de sua criação.

O Cintia é formado por alunas dos curso de graduação e pós-graduação, professoras e funcionárias do CIn-UFPE. Entretanto, não se restringe só à comunidade do Centro, sendo aberto também para outras mulheres que se interessam pela área de tecnologia e informática. Já são mais de 90 participantes interagindo por meio de uma lista de discussão e de reuniões quinzenais que ocorrem durante o semestre letivo. Para participar do Cintia é preciso acessar o site e preencher o formulário. O grupo também está presente nas redes sociais através do Instagram e do Twitter.

Da inquietação nasce a iniciativa

Professora Carla Silva, coordenadora do Cintia — Hugo Bonner/Ascom CIn

A professora Carla Silva, coordenadora do Cintia, lembra que a vontade de criar um grupo de mulheres do CIn-UFPE já existia há um tempo quando, em 2018, o professor Fernando Castor, até então coordenador do curso de Ciência da Computação, foi até as professoras do Centro para apresentar uma inquietação. Por conta da sua função, o docente era procurado por alunos e alunas do CIn para ouvir problemas relacionados às dificuldades acadêmicas e pessoais enfrentadas por eles. No entanto, algo lhe chamou atenção: a quantidade de mulheres que iam até ele apresentar problemas era superior a quantidade de homens, ao mesmo tempo que o número total de homens no CIn-UFPE era bem maior. “Entrei em contato com as minhas colegas (…), mandei pra todas dizendo ‘pessoal, eu acho que a gente tem um problema: por que que tem tanta menina vindo falar comigo sobre problemas do curso? Por que que essa proporção é tão maior?’”, relata o professor.

A partir disso, foi observado que essas mulheres sentiam a falta de representatividade no curso ou tinham que lidar com ações e comentários hostis de colegas de curso, o que levava a casos como o apresentado pela professora Carla: “Eu tive uma aluna que desistiu da disciplina porque ela era a única menina da turma”. Lavínia Paganini, aluna da graduação em Ciência da Computação, exprime um sentimento semelhante ao falar do início do curso. Ela encontrou dificuldades para se integrar à sua turma, que, além dela, só tinha mais uma mulher. “Você pensa ‘ah, tem outra mulher, vou fazer amizade com ela pra ficar junta’ e quando isso não acontece você fica totalmente sozinha e isolada, isso é péssimo”.

Lavínia Paganini, aluna da graduação em Ciência da Computação do CIn e integrante do Cintia — Hugo Bonner/Ascom CIn

A primeira reunião do grupo de meninas, que viria a ser chamado de Cintia, ocorreu ainda em agosto de 2018. O nome inicial do grupo era “Meninas do CIn”. Foi a professora Bernadette Lóscio que posteriormente sugeriu o nome Cintia, abarcando no nome, coincidentemente, a sigla do Centro de Informática. Segundo a professora Carla, houve todo um período de organização inicial e de busca por conhecer as integrantes do Cintia, o que resultou na percepção de que havia a necessidade de promover mais eventos para mulheres no CIn-UFPE. A primeira ação foi o Outubro Rosa, onde mulheres que se destacam no mercado de tecnologia trouxeram relatos de sua experiência. Segundo a coordenadora do Cintia, o objetivo era “incentivá-las a se atrever, a se candidatar a oportunidades, a tentar coisas que em algum momentos elas achavam que não eram capazes de fazer”.

Um ano promovendo mudanças

Carla Silva vê o objetivo do Cintia de atração de mulheres para o CIn-UFPE como algo a longo prazo. No entanto, as ações do grupo já produzem efeitos em suas integrantes. Estar em rede conhecendo as demais mulheres do Centro é algo que faz a diferença, como aponta Alessandra Aleluia, mestranda em Ciência da Computação no CIn-UFPE. Natural de Alagoas, a estudante relembra que durante o período de graduação na Universidade Federal de Alagoas (UFAL) algo que fez diferença foi ter um grupo online, mesmo que informal, com as também estudantes da área de informática. Ao vir para a UFPE, ela considera que fazer parte do Cintia faz toda a diferença. “Essa experiência de você saber que você não está só, que tem outras pessoas e que você pode fazer amizade com essas pessoas e essas pessoas lá podem lhe ajudar, lhe apoiar, eu acho que é fundamental”.

Alessandra Aleluia, mestranda em Ciência da Computação no CIn-UFPE e integrante do Cintia — Hugo Bonner/Ascom CIn

Workshop de Python

Alessandra Aleluia, instrutoras e participantes do Workshop de Python realizado em agosto de 2019

Como ação do Cintia, Alessandra Aleluia e outras voluntárias do grupo lecionam oficinas gratuitas de Python para alunas de escolas públicas. As aulas de programação buscam incentivar o ingresso no ensino superior e fazer com que as meninas conhecam melhor a área. “Como Python é uma linguagem bem simples, a gente consegue ensinar a elas os conceitos de pensamento computacional de uma maneira mais lúdica”, explica a mestranda. Alessandra também é co-fundadora do PyLadies Maceió, grupo de mulheres desenvolvedoras em Python. A primeira edição do Workshop de Python do Cintia está sendo ofertada em quatro sábados. Alessandra acredita que a participação no workshop auxilia na tomada de decisão sobre o que cursar na graduação, mostrando que os cursos existentes no CIn também são uma possibilidade.

Hack Grrrl

A aluna Lavínia Pavanini, conta que ao longo do curso foi perdendo um pouco da confiança em meio a um contexto predominantemente masculino, até que em sua experiência de estágio pôde estar em contato com um grupo de mulheres que fizeram com ela se sentisse capaz. Ela considera que, com o Cintia, essa mesma experiência pode ocorrer com as alunas do CIn-UFPE desde o início do curso de graduação. Lavínia observa que não é em toda disciplina que ela vai contar com a presença de outras mulheres, então “ter esse espaço de fala, eu acho que é muito importante. Você ter alguém pra falar ‘ó, tá acontecendo isso comigo, como eu posso resolver isso?’”.

Participantes e organizadores do Hack Grrrl realizado em junho de 2019

O interesse de Lavínia pela área de computação começou cedo por gostar de computadores e cresceu ainda mais ao participar de eventos na área de tecnologia. Como trabalho de conclusão de curso, ela desenvolveu uma pesquisa sobre questões de gênero na área de tecnologia. O Hack Grrrl, primeiro hackathon de maioria feminina do ecossistema de Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) de Recife, também foi organizado por ela e por Nathalia Lima, graduanda de Engenharia da Computação no CIn-UFPE e integrante do Cintia. A competição tomou grandes dimensões na comunidade devido ao incentivo à participação de mulheres nesses eventos. Ela criou um ambiente mais inclusivo para que as mulheres pudessem ter confiança em suas habilidades nas suas respectivas áreas de atuação, objetivo principal do projeto.

O Hack Grrrl foi co-realizado pelo Programa MINAS — Mulheres em Inovação Negócios e Artes — do Porto Digital e contou como o acompanhamento dos professores Carla Silva e Kiev Gama. De acordo com as criadoras, hackathons são eventos que possuem pouca diversidade. Em 2014, as mulheres eram apenas 11% dos participantes. O Hack Grrrl é a prova que existem mulheres interessadas em participar de hackathons. As inscrições na competição superaram as expectativas da organização, atingindo aproximadamente 240 submissões. Desse total, cerca de 80% foram inscrições de mulheres, sendo selecionados 35 participantes entre mulheres (90%) e homens (10%). As organizadoras esperam que esse seja o primeiro evento de muitos em que as pessoas possam crescer, sair com projetos incríveis desenvolvidos em um ambiente construtivo.

Programa, essa menina!

A oficina “Programa, essa menina!” está em execução desde 2016 como um projeto ministrado pela professora Erika Pessôa, aluna de doutorado do CIn-UFPE e mestre em Informática pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Esse é um curso de desenvolvimento de aplicativos básico gratuito voltado para meninas de 14 a 18 anos que ainda estão estudando e/ou vão escolher seus cursos de graduação e áreas de atuação profissional. Erika, que também é integrante do Cintia, trouxe sua oficina ao CIn-UFPE, como parte das ações do grupo. As participantes aprendem, entre outras coisas, como utilizar o app Inventor para criar aplicativos de software. Em média, são ofertadas 35 vagas por edição da oficina.

Erika Pessoa, doutoranda do CIn-UFPE e criadora do Programa, essa menina! — Hugo Bonner/Ascom CIn

Juntas

Na percepção de Carla Silva, o Cintia possibilitou uma identificação maior entre as mulheres do CIn e seus interesses: “Um outro ponto que eu tenho percebido também é a própria questão do engajamento delas. Eu noto que muitas delas se sentem mais felizes por estarem participando de um grupo assim e estarem contribuindo com as ações que o grupo realiza”, destaca. Um aspecto que ainda precisa ser trabalhado é a conscientização dos homens do Centro a respeito da importância da mulher na área de tecnologia e nas demais áreas profissionais. Contudo, Carla considera que a própria existência do grupo coopera para a desconstrução de estereótipos a respeito das mulheres.

Com apenas um ano de existência, o Cintia mostra a relevância que possui no CIn-UFPE e o potencial que possui para atuar como promotor de mudanças no ecossistema de TICs de Recife. Ao avaliar o caminho das mulheres na área de tecnologia, Alessandra Aleluia constata que muitos avanços já foram alcançados, mas que muitos ainda virão. O Cintia continuará atuando para mostrar e possibilitar que o lugar da mulher seja onde ela quiser estar.

Texto: Henrique Nascimento

Arte de capa: João Montenegro

--

--

Centro de Informática da UFPE

O CIn-UFPE é um dos mais renomados centros do Brasil e da América Latina. Instituição fundamental para o crescente mercado de tecnologia.