AuTecla: alunas do CIn-UFPE desenvolvem brinquedo inteligente para auxiliar no tratamento de crianças com autismo
O protótipo é resultado do projeto de extensão em parceria com a Fundação Altino Ventura e será testado em breve com crianças da instituição
No mundo, é estimado que 70 milhões de pessoas tenham transtorno do espectro autista (TEA), sendo 2 milhões delas brasileiras, segundo dados do Centro de Controle de Doenças (CDC) divulgados em 2018. Quanto mais cedo a criança for diagnosticada com TEA, maiores são as chances de evoluções efetivas no tratamento. No entanto, as famílias encontram alguns desafios emocionais e econômicos no caminho. Em alguns casos, frequentar as consultas com o terapeuta e dar continuidade aos exercícios do tratamento em casa são problemas enfrentados por pessoas com TEA e seus cuidadores.
Tendo em vista a necessidade de melhorar a comunicação entre cuidadores e profissionais de saúde e ajudar na continuidade do tratamento de pessoas com TEA, as alunas do Centro de Informática (CIn) da UFPE Gabriela Alves, Lais Bandeira e Júlia Feitosa, com orientação da professora Edna Barros, desenvolveram o AuTecla. O produto é um brinquedo inteligente que auxilia o tratamento de crianças com autismo. O sistema é composto de um hardware, cartões e um aparelho leitor com tecnologia de Identificação por Rádio-Freqüência (RFID), a mesma utilizada em crachás e vales de transporte eletrônico por aproximação. Além de um software, que funciona como aplicativo no celular, permitindo que as crianças desenvolvam exercícios definidos por terapeutas tanto no consultório quanto em casa. Toda a informação das atividades é armazenada no smartphone e disponibilizada para os profissionais de saúde.
Atualmente, o AuTecla é desenvolvido através do projeto de extensão do CIn-UFPE em parceria com a Fundação Altino Ventura. A ideia é auxiliar nos métodos de tratamento Applied Behavior Analysis (ABA) e Treatment and Education of Autistic and related Communication-handicapped Children (TEACCH), das áreas de psicologia e a psicopedagogia. A professora Edna Barros explica que um dos objetivos é que o AuTecla seja modular, que ele possa ser programado pelo terapeuta para aplicar a atividade específica de cada criança. Isso porque o desenvolvimento cognitivo implica na variação das características do autismo em cada pessoa diagnosticada.
Um projeto criado por mulheres
O desenvolvimento do AuTecla começou em 2016, quando as alunas Gabriela Alves, Lais Bandeira e Júlia Feitosa tinham interesse em participar da competição de Sistemas Embarcados, promovida pela Intel, e buscaram ajuda da professora Edna Barros. Observando campanhas sobre autismo e no contato com amigos que tinham familiares com TEA, elas se interessaram pelo tema e desenvolveram o projeto do AuTecla. Na competição, elas conquistaram o primeiro lugar local e receberam o título de melhor grupo de maioria feminina à nível nacional.
Nesse período, foi desenvolvido o primeiro protótipo, com o apoio do designer Arlindo Gomes, baseado em Picture Exchange Communication System (PECS), método de comunicação alternativa através da troca de figuras utilizado com autistas que não desenvolvem, têm dificuldades ou limitações na fala. No protótipo, as figuras ficavam em um teclado com teclas que poderiam ser removidas e recolocadas durante o exercício.
Em 2018, as alunas apresentaram o AuTecla para a doutora Liana Ventura, vice-presidente da Fundação Altino Ventura. A instituição possui uma equipe multidisciplinar que atende crianças com diferentes escalas do espectro autista. O AuTecla despertou interesse da presidente e foi transformado em projeto de extensão na universidade. Assim, as alunas passaram a participar de reuniões com as profissionais de saúde e os pais de crianças atendidas na Fundação.
Parceria que rende frutos
O protótipo atual do AuTecla com RFID foi construído a partir das necessidades observadas na Fundação Altino Ventura. A mudança no método de tratamento utilizado como base do projeto do PECS para ABA e TEACCH foi feita por conta da maior utilização desses dois últimos pelas profissionais da instituição. Segundo a docente Edna Barros, “a gente tinha uma ideia de sistema e com o feedback que nós tivemos das médicas foi possível aprimorar pra ficar mais fácil de utilizar tanto pelas crianças como pelas médicas”.
Laís Bandeira é responsável pela desenvolvimento do hardware, placas e circuitos, do projeto. “Toda vez que a gente vai testar também esse dispositivo com as médicas, eu vou, testo, vejo com elas se tá bom ou não e refaço o projeto quando precisa”. Pensando a continuidade do tratamento em casa, Laís ressalta que “muitas vezes as médicas passam sobre a atividade, como é e tal e os pais não fazem direito ou não dão um feedback que elas queriam quando vêm para consulta. Então a ideia da gente é muito ajudar nisso, ajudar na evolução da criança de forma interativa”.
Mila Veras, fonoaudióloga e coordenadora da área intelectual da Fundação Altino Ventura, destaca que não existem muitos profissionais que utilizem tratamentos com abordagens adequadas para os autistas. “Então fica essa questão escassa e essa dificuldade de encontrar até os próprios materiais para serem utilizados e as crianças serem estimuladas. Então, quando a gente tem esse material e pode oferecer esse material para essas crianças que não têm esse recurso, isso para gente é muito bom, porque a gente pode oferecer, pode empoderar essas famílias para elas utilizarem esse material em casa e a gente ver esse resultado”.
O próximo passo é testar o AuTecla com as crianças, tanto na consulta quanto em suas residências. Mila Veras acredita que o uso da tecnologia no tratamento pode tornar as atividades mais atrativas para as meninas e meninos atendidos. “Quando a gente utiliza qualquer material tecnológico, para criança, esse material ele se torna mais atrativo e de melhor facilidade de aprendizagem. A expectativa da gente é que essas crianças elas tenham realmente um grande sucesso, tanto na terapia quanto utilizando nas suas rotinas diárias em casa”.
A previsão é que até o mês de junho três protótipos do AuTecla estejam prontos para teste com as crianças da Fundação Altino Ventura. Entretanto, não existem mais recursos financeiros do projeto de extensão para dar continuidade ao trabalho. O AuTecla está aberto para receber auxílios. Os interessados em ajudar, podem entrar em contato pelo e-mail: gar@cin.ufpe.br para mais informações.
Aprendizado e contribuição social através da extensão
Um dos principais aprendizados destacados pelas estudantes que fazem parte do AuTecla é autonomia adquirida a partir do desenvolvimento do projeto. “Eu aprendi, profissionalmente falando, eu aprendi muito a me virar, fazer as coisas, ir atrás das coisas e fazer aquilo que eu nunca tinha visto na vida, não sabia e também aprendi a me comunicar com pessoas de outras profissões”, conta Gabriela Alves.
A estudante também percebe a importância social do projeto, “quando eu ia pra reunião com os pais, eu podia ver o sofrimento, a dor e muitas vezes a vitória com as pequenas coisas, com os pequenos detalhes do dia-a-dia e aí eu comecei a me apaixonar mais pelo AuTecla e isso de fato marcou, me marcou. Ter essa sensibilidade de saber que o seu projeto pode fazer a diferença na vida de alguém é incrível. E eu acho que o AuTecla tá aí pra trazer isso pra sociedade, empoderar as crianças, empoderar os pais, empoderar os terapeutas também, a ter informação e a saber trabalhar melhor com os pais”.
Texto por: Henrique Nascimento.